sábado, 23 de fevereiro de 2013

Factos

Vive-se em crise, vive-se com o desemprego, vive-se em desespero.
A comunicação social não ajuda, aliás, colabora no sentido de não deixar que as pessoas saiam desse sentimento de depressão derrotista, em constantes lutas contra governos, bons ou maus. As más notícias vendem mais do que as boas, e ontem a notícia do final do dia era a derrota do Sporting, a roçar o escandaloso. E também a brilhante ideia que alguém teve de fazer circular no facebook o incentivo ao pedido de facturas com os números de contribuintes dos membros do governo. E mesmo que esses números sejam falsos, lá anda o Zé Povinho contente a pensar que está a incomodar alguém com isto.
Mas nem uma notícia sobre a morte dum rapaz que se atirou do prédio do ISCAL ontem à noite. Ao que parece, uma pequena nota sobre o assunto esta manhã no Correio da Manhã. Mas nada de interessante para os media. Era um Zé Ninguém, não deixou uma carta com críticas para o governo nem a despedir-se de familiares ou amigos, não se sabe se estava desempregado e provavelmente nem se vai saber o que o levou a fazer tal coisa, seja visto como acto de coragem, de estupidez, de desespero, o que quer se seja.
E dá que pensar a facilidade com que um estranho entra num edifício público - parece que não era aluno da faculdade - sobe com um extintor até ao último andar, onde nem sequer os alunos têm o direito de aceder, rebenta com as janelas de forma a aceder ao telhado e ninguém o pára pelo caminho. Faz-me pensar no hospital onde trabalhei, e em como também é tão fácil lá entrar e andar por onde se quiser.
E quanto a nós, alunos e professores que apenas ouvimos o barulho do extintor contra as portas e janelas 2 pisos acima de nós, nunca nos passaria pela cabeça que alguém estaria a levar a cabo tal pensamento. Nunca me passou pela cabeça que o barulho que ontem ouvi durante uns bons 15 minutos fosse outra coisa que não alguém preso no elevador, que estivesse a bater na porta para que o tirassem de lá. Só nos apercebemos do que se passou quando uma professora nos diz que viu um estranho com um extintor na mão a subir escadas acima e que pelo seu olhar, lhe deu logo a impressão de que iria fazer algo trágico. Mas tentar deter alguém, sozinho, não é a primeira ideia que nos vem à cabeça. Primeiro vem o medo, a descrença de que algo terrível aconteça, mesmo que nos passe pela cabeça esse pensamento. Afinal, é o tipo de coisas que apenas acontece em Hollywood.
Mas depois de apurar o que realmente aconteceu, não foi fácil tirar da cabeça o som que agora se sabe ter sido de alguém determinado a pôr fim à vida, ali tão perto de nós, e durante tanto tempo. O som de um extintor a bater contra portas e janelas, a sensação de insegurança, a impressão que tal episódio nos deixou. Não há filme de terror que impressione mais que isto. E não passei pelo mesmo que os fumadores, em intervalo de aulas, passaram: ouvir o estrondo dum corpo a cair em cima dum carro e ficar a olhar para o corpo, já sem vida ali no chão. Eu só vi o corpo já tapado pelo plástico. E as marcas, ainda visíveis esta manhã, na rua principal da faculdade. Sangue e pasme-se, pedaços dos ossos do crânio e miolos no passeio e no carro onde o corpo caiu. Algo difícil de esquecer e que nos deixa a pensar. Quem seria aquele rapaz, dificilmente o saberemos.
E em vez de nos chatearmos com pequenices, e com gente pequena que nos tenta tirar do sério, aproveitemos a vida. Há que a aproveitar em cada minuto.

1 comentário:

Vasco Gonçalves disse...

O rapaz em questão era caloiro do ISCAL, do regime diurno, dos Açores. :S